Regressei de férias a pensar no pequeno-almoço.

por Patrícia Conde - CEO NUTS Branding e Joana Heitor - fundadora Myfamilyhealthcoach     

Podemos viajar com um pequeno-almoço.

As viagens que tenho feito têm me permitido conhecer melhor os locais a partir da primeira refeição do dia e com ela viajar também.

O pequeno-almoço pode e, quanto a mim, deve ser o reflexo do lugar. Dos seus hábitos e da sua cultura. E isso foi para mim mais óbvio, na minha última viagem, quando o pequeno-almoço continental saiu da frente e deixou a identidade do local expressar-se: o pequeno-almoço no Japão.

É um pequeno-almoço eminentemente salgado, elegante e delicado como a cultura nipónica. Com fatias de peixe fresco em sashimi, tempura de vegetais, frango ou peixe, sopa miso, tofu, arroz, algas, caldos diversos, kimchi, ovo, chá verde e mochis ou bolos de chá verde cuidadosamente apresentados. À primeira hora do dia, levei um banho de cultura do terroir, ao qual me rendi e que fez com que virasse costas aos croissants, compotas, iogurtes, torradas nas manhãs que se seguiram.

(Confesso que vim com vontade de manter o meu pequeno-almoço salgado, aliás como muitos advogam que devemos começar o dia.)

Mais tarde, no Dubai, tive a mesma sensação, a de imersão cultural entre babaganoush de beringela, hummus de grão com ou sem beterraba, queijo feta, pita, pão ázimo e iogurte e Chá karak (chá preto forte com leite, cardamomo e especiarias).

Viajando noutros pequeno-almoços da minha memória, lembro-me do marroquino (F’tour) com as suas panquecas de sêmola (Baghrir), os crepes folhados (Msemen) com mel ou manteiga, o bule com chá de hortelã, os bagos de romã e o aroma intenso do café com especiarias.

O pequeno-almoço para além de ser um momento de imersão cultural, pode ser um verdadeiro momento gastronómico como faz Óscar em Teguise, Lanzarote. Aqui, serve seis momentos para degustar, confecionados com ingredientes locais, que variam diariamente. Sumos de frutas, lácteos, hidratos de carbono, frutas e proteínas, tudo feito na Casa das Flores, a sua casa, como se fosse a nossa.

E o pequeno-almoço português? O que conta sobre a nossa história e hábitos?

Do pão com toucinho, às papas Cerelac

por Joana Heitor da Myfamilyhealthcoach     

Em Portugal, o pequeno-almoço nem sempre foi a refeição leve e açucarada que hoje conhecemos. Aliás, durante séculos, o que se chamava de quebra-jejum, desjejum ou mata-bicho era bem mais rústico e muito mais salgado.

Desde o século XIV, o que se comia pela manhã dependia muito da região... e da carteira. Para a maioria dos portugueses, a primeira refeição do dia era simples: pão com azeitonas, talvez um pouco de queijo ou toucinho, e, em dias mais afortunados, um gole de aguardente para aquecer. Esta refeição era comum entre os trabalhadores rurais, antes de irem para o campo. No verão, como o trabalho começava mais cedo, o mata-bicho ganhava ainda mais protagonismo.

Na Estremadura e no litoral alentejano, por exemplo, chamava-se "parva" — uma refeição frugal dada aos jornaleiros, que muitas vezes só almoçavam várias horas depois. Nas casas nobres, os servos tinham acesso a pão, queijo e até alguma carne ou cerveja, mas o pequeno-almoço não era uma refeição valorizada como hoje.

Mais tarde, os hábitos começaram a mudar. Com o crescimento das cidades e a chegada dos cafés, passaram a dominar as torradas com manteiga e café — ou o nosso eterno “papo-seco com qualquer coisa”. O café, que veio das colónias no século XVIII, foi ganhando lugar até se tornar indispensável no ritual matinal.

A viragem mais radical deu-se nos anos 30 com a Campanha do Trigo, promovida pelo Estado Novo. A ideia era simples: produzir mais trigo, substituir o pão de milho e padronizar a alimentação nacional. Resultado? Começámos a consumir muito mais pão branco, e abrimos caminho aos produtos industrializados.

Foi então que a Nestlé chegou em força e mudou-se o paradigma. Em 1958, lançou o famoso Nestum, e logo vieram as papas Cerelac e o achocolatado Nesquik. Eram rápidos, doces, e cheios de açúcar — perfeitos para a nova vida urbana.

Ao mesmo tempo, a vida das mulheres em Portugal começava a mudar, com a entrada na vida profissional e a necessidade crescente de começarem a ter soluções mais práticas e rápidas, a todos os níveis no seu dia a dia, inclusive na alimentação, facto que o 25 de Abril veio cimentar ainda mais, com a abertura às marcas internacionais.

Nos anos 80, chegaram os cereais como Chocapic e Estrelitas, e o pequeno-almoço tradicional começou a perder terreno.

Hoje em dia, o cenário é outro. Entre galões e bicas nas pastelarias, e cereais com leite em casa, cerca de 20% dos portugueses já nem tomam o pequeno-almoço. Outros preferem algo rápido e prático: iogurtes líquidos, sumos, barras energéticas.

Há quem tente equilibrar com granolas, smoothies e bowls, mas a verdade é que muitos de nós ainda esquecemos a importância desta primeira refeição, que já foi pão com azeitonas, e agora é muitas vezes uma dose de açúcar, sobre diversas formas, para adultos e crianças.

Apesar da correria dos dias de hoje, não devemos subestimar o poder de um bom pequeno-almoço. É ele que nos dá energia, foco e boa disposição para enfrentar o dia, e é determinante para as nossas escolhas alimentares ao longo do dia. Não precisa de ser complexo, nem demorado, mas deve ser nutritivo e equilibrado. Recuperar o hábito de tomar um bom pequeno-almoço, não só é necessário, como urgente, deixando de lado os produtos processados e ‘’importando’’ apenas aquilo que nos faz bem. E aí, Portugal ainda tem muito caminho para andar, porque historicamente não temos a tradição de um pequeno almoço completo e nutritivo. Deixemos de lado os cereais açucarados, os achocolatados, o galão, o pão branco, os croissants e bolos, e abramos portas ao abacate, pão integral, ovos, kefir, sementes variadas, frutas e tantos outros alimentos, e tornemos o nosso pequeno almoço o banquete para os olhos, que deveria ser.

Que sigamos a vida, como fazem muitos países, alinhados com o provérbio:

“Pequeno-almoço de rei, almoço de príncipe e jantar de pobre.”

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